Sexta-Feira, 26 de Abril de 2024
Complexo viral LBVaV e MiLBVV (Lettuce big-vein associated virus x Mirafiori lettuce big-vein virus)

Hospedeiro: Lactuca sativa (alface), Asteraceae.

Agente causal: Complexo viral: Lettuce big-vein associated virus (LBVaV) e Mirafiori lettuce big-vein virus (MiLBVV)

Etiologia: Lettuce big-vein associated virus (LBVaV) e Mirafiori lettuce big-vein virus (MiLBVV) são frequentemente detectados em infecções simples ou mistas em alface. Lettuce big-vein associated varicosavirus é uma espécie pertencente ao gênero Varicosavirus (domínio Riboviria, reino Orthornavirae, filo Negarnaviricota, classe Monjiviricetes, ordem Mononegavirales, família Rhabdoviridae). Suas partículas possuem morfologia do tipo bastonetes flexíveis com 320 a 360 nm de comprimento e 18 nm de diâmetro e não são envelopadas. Quando observadas ao microscópio eletrônico de transmissão, assemelham-se aos nucleocapsídeos dos rhabdovírus. O genoma é bi-segmentado com 12,9 kb e constituído por dois RNA (RNA-1 e RNA-2) de fita simples e polaridade negativa, que são encapsidados pela proteína N. O RNA-1 tem 6,8 kb, enquanto o RNA-2 tem 6,1 kb. As sequências 3 e 5 terminais dos dois segmentos do genoma são semelhantes, mas não apresentam complementaridade, e os motivos conservados nos sinais de iniciação e terminação da transcrição se assemelham aos dos vírus do gênero Cytorhabdovirus.

O Mirafiori lettuce big-vein ophiovirus pertence ao gênero Ophiovirus (domínio Riboviria, reino Orthornavirae, filo Negarnaviricota, classe Milneviricetes, ordem Serpentovirales, família Aspiviridae). As partículas virais dos membros da família Aspiviridae (anteriormente denominada Ophioviridae) se caracterizam por serem filamentosas não envelopadas com uma conformação de círculos dobrados (provavelmente enrolados internamente) com pelo menos dois comprimentos, sendo a mais curta com cerca de 700 nm. Essas partículas também podem apresentar morfologia de círculos dobrados (forma aberta), que podem entrar em colapso formando estruturas duplex pseudo-lineares de 9 a 10 nm de diâmetro (forma colapsada). O genoma do MiLBVV consiste de um RNA fita simples de polaridade negativa, possivelmente ambi-senso, de 11,3 a 12,5 kb e dividido em 3 a 4 segmentos. Durante a replicação, as partículas virais encapsidam RNAs virais e virais complementares (vRNA e vcRNA), porém, uma concentração maior de vRNA (de polaridade negativa) já foi detectada em preparações purificadas. A associação do LBVaV e o MiLBVV formam um complexo de vírus que resulta na indução da doença conhecida como espessamento das nervuras da alface ou “big-vein” (do inglês: lettuce big-vein disease - LBVD). A transmissão do LBVaV e do MiLBVV é realizada por zoósporos móveis de Olpidium spp., que pertencem à classe de microrganismos relacionados a fungos terrestres. O gênero Olpidium pertence ao filo Chytridiomycota (quitrídeos), reino Fungi. Espécies de Olpidium raramente são relatadas como patógenos de espécies cultivadas de importância econômica, embora seu ciclo de vida nas raízes seja parasitária. No entanto, esse fungo desempenha uma função essencial na transmissão e dispersão do LBVaV e do MiLBVV em áreas de cultivo de alface. Nos primeiros estudos sobre o espessamento das nervuras da alface, associou-se Olpidium brassicae como responsável pela transmissão do LBVaV e MiLBVV. No entanto, com base na resposta de diferentes espécies de plantas hospedeiras, identificaram-se duas cepas de Olpidium responsáveis pela transmissão. Uma cepa capaz de infectar brássicas, O. brassicae, e outra que não infecta brássicas, O. virulentus. Posteriormente, por meio de técnicas moleculares, constatou-se que O. brassicae e O. virulentus são espécies distintas e não estirpes do mesmo taxon. Porém, propriedades biológicas de ambas espécies referentes ao círculo de hospedeiras foram mantidas, sendo que O. brassicae comumente infecta brássicas (repolho e mostarda) e O. virulentus infecta não brássicas (alface e tomate). Atualmente, há três espécies de Olpidium (O. bornovanus, O. brassicae e O. virulentus) vetoras de pelo menos dezoito espécies de vírus. Porém, somente O. virulentus é vetor do LBVaV e do MiLBVV.

Sintomas: Inicialmente, havia o consenso de que plantas de alface infectadas com MiLBVV desenvolviam sintomas de espessamento das nervuras, independentemente da presença ou ausência de LBVaV. Diante desse fato, o MiLBVV foi considerado o principal agente causal do espessamento das nervuras. No entanto, esse sintoma também tem sido associado à infecção única com LBVaV. Folhas de alface infectadas apresentam hiperplasia das células próximas às nervuras causando o seu espessamento que, consequentemente, altera também a forma das folhas. Além disso, também ocorre uma quebra na produção de clorofila nas células próximas às nervuras conferindo aspecto pálido, o que evidencia o sintoma de espessamento das nervuras. O porte da planta é reduzido e a maturidade fisiológica é retardada. Plantas infectadas no estágio de muda podem não se desenvolver e morrer. Em cultivares de alface americana há má formação de cabeça, enquanto que nas cultivares de folhas lisas observa-se o espessamento das nervuras de forma generalizada ou somente nas folhas mais velhas.

Importância: O espessamento das nervuras da alface é uma doença típica de regiões de clima temperado. Porém, ocorrências em regiões subtropicais passaram a ser registradas a partir de 2005, sendo o Brasil o primeiro país do hemisfério Sul a ter a ocorrência do big-vein em alface confirmada, em regiões de clima subtropical. Esses relatos ocorreram no cinturão verde do estado de São Paulo em plantações de alface convencional e, posteriormente, em cultivos hidropônicos. A indução dos sintomas, principalmente em regiões de clima subtropical, é influenciada por regimes de temperaturas amenas em torno de 16°C, desaparecendo em temperaturas superiores a 22°C. Assim, no Brasil, o espessamento das nervuras da alface é uma virose típica de inverno, quando temperaturas diárias variam de 18 a 22°C e noturnas de 10 a 16°C, desaparecendo completamente no período de verão. Os zoósporos de O. virulentus possuem elevada mobilidade e se translocam rapidamente para raízes de plantas sadias e, na ausência de hospedeiras suscetíveis infestam o solo, permanecendo em repouso e mantendo as partículas virais de LBVaV e MiLBVV viáveis e infectivas por décadas. Em raízes secas, os zoósporos permanecem viáveis e infectivos por até 39 meses. Estes fatos dificultam o manejo e controle da virose, uma vez que o sistema de produção convencional de alface é frequentemente intensivo, irrigado e realizado em solos infestados. No caso de cultivos em sistemas hidropônicos, a solução nutritiva é o principal fator de dispersão de zoósporos, principalmente quando as mudas são produzidas em substratos infestados. Na ausência de plantas de alface no campo, espécies da vegetação espontânea como Sonchus oleraceus (serralha-lisa ou verdadeira) e Sonchus asper (serralha-de-espinho) são reservatórios do LBVaV e MiLBVV e hospedeiras de Olpidium spp. A importância econômica dessa virose está relacionada principalmente ao atraso e diminuição da formação de cabeça, que resultam na baixa produção de folhas (volume), reduzindo a colheita e, consequentemente, o valor de mercado. A perda de peso fresco é observada quando a muda de alface é infectada entre a quinta e sétima semanas após o transplante no campo.

Ocorrência: O espessamento das nervuras da alface está disseminada em todos os continentes. No continente americano, há relatos do complexo do “big-vein” em alface na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Estados Unidos e Canadá). Na Europa, a doença está amplamente disseminada. Na Ásia, relatos são frequentes no Japão, enquanto na Oceania há relatos na Austrália e Nova Zelândia. No continente africano, a ocorrência foi registrada na África do Sul. No Brasil, há relatos nos estados de São Paulo e Paraná.

Manejo e controle: Devido à parede celular espessa dos zoóporos de O. virulentus e sua persistência no solo por mais de 20 anos, o controle do vetor dos vírus que induzem o espessamento das nervuras da alface é desafiador. A utilização de brometo de metila para fumigação de substrato já foi a forma indireta mais eficiente para o controle da transmissão dos vírus associados ao complexo do “big-vein”. No entanto, o brometo de metila foi proibido no Brasil e em outros 159 países, que assinaram o “Protocolo de Montreal, 1997”, em que se comprometeram abolir progressivamente sua utilização para fins não-quarentena até 2005. Portanto, outros métodos de controle são preconizados a fim de reduzir a propagação e severidade dessa virose. Embora existam indicações de resistência do hospedeiro ao vetor e ao vírus, mais pesquisas precisam ser realizadas sobre a resistência durável ao LBVaV e ao MiLBVV. Entretanto, híbridos de alface parcialmente resistentes e promissores foram obtidos por meio da introgressão de genes de Lactuca virosa (alface selvagem), espécie que, quando infectada, não desenvolve sintomas evidentes do espessamento das nervuras.

Diante da complexidade do controle, métodos indiretos de controle são recomendados: (i) utilização de mudas sadias, obtidas a partir de substrato de boa qualidade, livres da presença do fungo vetor; (ii) cultivo de variedades de alface do tipo crespa, cujo sintoma de espessamento das nervuras é menos visível, fato que pode reduzir os prejuízos no final do ciclo da cultura; (iii) eliminação de plantas da vegetação espontânea, principalmente da família Asteraceae como S. asper (serralha-de-espinho) e S. oleraceus (serralha-lisa ou verdadeira), que são hospedeiras do fungo vetor e reservatórios do LBVaV e MiLBVV; (iv) migração da cultura da alface para áreas onde ainda não foi implantado o sistema intensivo de cultivo de alface; (v) devido à mobilidade dos zoósporos de olpidium, o controle da irrigação é importante para controlar a dispersão da virose em campo convencional, evitando o excesso de umidade no solo, que desfavorecerá a mobilidade dos zoósporos; (vi) cuidado com a qualidade da água utilizada no preparo da solução nutritiva nos cultivos hidropônicos, pois os zoósporos podem vir juntamente com o substrato utilizado para a produção de mudas.

Referência consultada

CHAVES, A.L.R. et al. Sonchus asper e S. oleraceus como reservatórios naturais de vírus em cultivos de alface no cinturão-verde de São Paulo. Arquivos do Instituto Biológico, v.74, p. 101-106, 2007.

COLARICCIO, A. et al. Presence of lettuce big-vein and associated viruses in a sub-tropical area of Brazil. Plant Pathology, v. 52, p. 792, 2003.

COLARICCIO, A. et al. Detection of Varicosavirus and Ophiovirus in lettuce associated with Lettuce big-vein symptoms in Brazil. Fitopatologia Brasileira, v. 30, n.4, p. 416-419, 2005.

MACCARONE, L.D. Relationships between the pathogen Olpidium virulentus and viruses associated with lettuce big-vein disease. Plant Disease, v. 97, n. 6, p.700-707, 2013.

ROGGERO, P. et al. Occurrence of Mirafiori lettuce virus and Lettuce big-vein virus in relation to development of big-vein symptoms in lettuce crops. European Journal Plant Pathology, v. 109, p. 261-267, 2003.

SASAYA, T. et al. Further evidence of Mirafiori lettuce big-vein virus but not of Lettuce big-vein associated virus with big-vein disease in lettuce. Phytopathology, v. 98, n. 4, p. 464-468, 2008.

SASAYA, T., KOGANEZAWA, H. Molecular analysis and virus transmission tests place Olpidium virulentus, a vector of Mirafiori lettuce big-vein virus and Tobacco stunt virus, as a distinct species rather than a strain of Olpidium brassicae. Journal of General Plant Pathology, v. 72, p. 20-25, 2006.

Autores: Alexandre Levi Rodrigues Chaves, Marcelo Eiras, Addolorata Colariccio, Lab. de Fitovirologia e Fisiopatologia (LFF), CPSV, Instituto Biológico.
E-mail: alexandre.chaves@sp.gov.br

 
Publicado em: 06/07/2020
Atualizado em: 06/07/2020
Clique na imagem para ampliar
  Instituto Biológico
  Avenida Conselheiro Rodrigues Alves, 1252
  Vila Mariana - - CEP 04014-002- São Paulo - SP - Brasil
  (11) 5087-1700
                                                                                                         Número de visitas:
                                                                                                                   13.418